sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Você sabe o que é violão? Gil no fronte



Uma belezura da época do 2222.

Engraçado que no DVD BandaDois, que o Gil lançou agora, ele fala sobre um show que fez nos EUA. No camarim, o Steve Wonder fala do quanto estava impressionado com aquele violão. Pareciam uns quatro, cinco, seis violões ao mesmo tempo!!

Ouvir o Gil dessa época é fora do comum. Ele condensou todos os violões negros do mundo e do mundo-Brasil. Agregou uma complexa percepção do ritmo violão versus voz. Tem a coisa da voz abusada, desregrada.

Ouça coisas assim:

Gil: Esse samba tem um cheiro de colonialismo às avessas. Aquela coisa ressentida, nostalgica. "Ainda faço aquele desgraçado tocar tamborim..."
(sobre Chiclete com Banana do bahiano Gordurinha e Almira Castilho)

Indicação desse cara aqui ó.

Baixe!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Por uma manifestação complexa, estranha. Inventada

Mais Gil, no fronte.




O forró


Gilberto Gil

Quando os portugueses chegaram às praias da costa atlântica deste novo continente encontraram, ali, gente pacífica que os recebeu com curiosidade e admiração. Dentre os vários elementos utilizados para o contato inicial estava a música.

Consta nos anais históricos que, nos primeiros encontros com os índios, os marinheiros portugueses tocaram, cantaram e dançaram e conseguiram fazer com que os gentios tambem o fizessem, estabelecendo, assim, uma forma inicial de entendimento e cumplicidade, através da música trazida pelas caravelas e com que se ensaiavam, ali, os primeiros exercícios do que viria a se tornar a música brasileira.

Consta também que, para além da receptividade e encantamento com as flautas e as gaitas, os índios, logo de início, mostraram-se inclinados a “entrar na dança” produzindo, naquelas praias dos primeiros dias da descoberta, os primeiros passos das danças que se tornariam uma das marcas mais eloqüentes do nosso modo brasileiro de se expressar através do corpo. Ainda não haviam chegado os africanos e já se tocava, cantava e dançava, sob o sol e a lua, na nova terra brasileira. Estudiosos desses tempos remotos chegam a historiar sobre o talento todo especial dos indígenas para a música dos brancos, e dos excelentes músicos que alguns dos jovens índios e índias logo se tornaram, à medida que, animados com os resultados daquelas primeiras manifestações espontâneas, os jesuitas incumbidos das tarefas de educar os nativos, se dedicavam, mais e mais, ao ensino de intrumentos como a flauta, a viola e o pandeiro. A inventiva e a capacidade de improviso logo se manifestaram como a primeira grande contribuição do “povo nu” à musica que então se criava.

Alguns desses estudiosos chegam a atribuir a esses primeiros tempos o surgimento da expressão samba (palavra de origem tupi significando roda de dança) que vem a se tornar, em especial no nordeste, a designação genérica para toda festa, todo folguedo, toda reunião lúdica regida pela música.

Com a chegada do povo negro, introduzem-se os batuques e as gingas próprias daquelas gentes africanas (inicialmente bantu e em seguida gêge-nagô) que vêm trazer a contribuição definitiva à criacao da vibrante música e do sensual requebrado, marcas da festa nacional da qual o modo mais emblemático ficaria conhecido como samba.

Ainda me recordo da surpresa de que fui tomado quando, ao percorrer extensa região nordestina de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Ceará em 1972, ao voltar do exílio na Inglaterra, encontrei a expressao samba a designar, justamente, os arrasta-pés e os bailes locais. Ali, não o samba - tal como conhecido na Bahia e no Rio - mas o baião, o xote e o xaxado eram as principais manifestações musicais.

Mesmo constituído por outro tipo de música, o baile nordestino, principalmente mais para os lugares do interior, era até então comumente chamado de samba.
Creio que a designação genérica de forró para a festa torna-se predominante, à medida que este termo, de origem urbana, passa a ocupar o imaginário nacional, seguramente apos a disseminação do baião e de toda a sua família musical, iniciada a partir de Luiz Gonzaga, o grande responsável pela divulgacão dos gêneros nordestinos em nível de massa, nos idos de 1950. O surgimento da Feira de S. Cristóvão no Rio de Janeiro e de seus equivalentes em S. Paulo, impulsionam, em meados do século XX, essa nacionalização da festa nordestina que passa a adotar o nome genérico de forró, ele mesmo ja consequência de um fenômeno cosmopolita então recente: o surgimento dos bailes urbanos, especialmente em Recife e Natal, na década de 1940, sob a influência da presença das bases-aéreas americanas, com seus soldados ávidos por diversão e festa. Muito corrente é, hoje em dia, a versao de que a palavra forró seria uma corruptela da expressao for all, denominação dada pelos militares americanos para os bailes abertos ao grande público (for all, para todos) e que se popularizaram em Recife e Natal, durante a Segunda Guerra.

Portugueses, índios, africanos, violas, flautas, sanfonas, pandeiros, batuques, requebrados, luar do sertão, sol da praia, festa do interior, baile da cidade, aridez severina da caatinga, umedecente sensualidade do mar, afeto ibérico, volúpia americana, doce da cana, ardência da pimenta, menino do Rio, mina de Sampa, maculelê do Recôncavo, cateretê de Minas, mulatas de Di Cavalcanti, operários de Portinari, bate-coxa, mela-cueca, esquenta-mulé, o forró vem se fazendo em longa trajetória ao longo da história desses povos brasileiros de tantas origens e tantos destinos. Através dos nordestinos e dos sulinos, dos baiões e das polcas, o forró vem se tornando um espaço de cultivo musical, criação coreográfica e ambiente de convívio para pequenas populações rurais e grandes aglomerados urbanos em que se produzem ricas trocas entre culturas e regiões, dentro do grande caldeirão étnico, político e religioso em que se vem constituindo este híbrido sociocultural chamado Brasil.

A música

Inicialmente marcada pelos elementos da cultura portuguesa da epoca das grandes navegações, em que a presença árabe já deixara marcas indeléveis, a nascente cultura brasileira recebe, aos poucos, os influxos de outras culturas africanas, européias e asiáticas com que vai tomando contato através, principalmente, da intensiva imigração com que o país passa a suprir suas necessidades de mão-de-obra e tecnologias agro-pecuárias, comerciais e pré-industriais essenciais para o seu desenvolvimento. Ao lado das técnicas de pastoreio, agricultura, metalurgia, artezania, comércio e ofícios variados com que os imigrantes enriquecem a vida produtiva brasileira, multiplicam-se também os influxos de novos e variados elementos simbólicos, através, principalmente, das formas artísticas trazidas pelos colonizadores e aqui processadas e transformadas pela nova sociedade que vai se formando.

A música logo se insinua como um campo particularmente propício ao desenvolvimento do talento e da criatividade brasileiros que viriam marcar definitivamente nossas características em tempos modernos. Particularmente alimentada pela intensa e exuberante contribuição africana, a nossa música processa e registra, aos poucos, os elementos mediterrâneos, orientais e por fim, germânicos e anglo-saxônicos com que consolida, em meados do século XX, uma face musical propriamente nossa. Ao lado do samba (ou dos sambas) o baião surge como grande gênero de fusão e difusão do hibridismo musical que nos caracteriza.. Em 1946, Luiz Gonzaga grava e populariza o primeiro disco de baião. Nos anos de 1950-60, o gênero (baião, xaxado, xote, pé-de-serra) ja se inscreve como um gênero de aceitação nacional, passando, dai em diante, a dialogar com todo o universo musical brasileiro, do são-joão ao carnaval. De dança da moda dos salões cariocas nos anos 50 até a base do galope do carnaval baiano dos anos 90, a família nordestina do baião se movimenta, ao longo da segunda metade do século XX, como uma verdadeira familia real cuja longa dinastia viria a se estender pelos novos tempos da musica tecno no século XXI.

Hoje, a música do forró engloba, desde os modos clássicos de Marinês e do Trio Nordestino e seus descendentes retrô, ate as formas mutantes da oxente-music de Fortaleza, Campina Grande e Caruaru. Misturada aos elementos lítero-musicais do brega, do sertanejo e do pagode, a musica do forró vai levando adiante a saga antropofágica da nossa cultura popular, assumindo a hibridação como seu traço constituinte elementar.

A dança

Nascida na roda de samba indígena, a dança brasileira vem se fazendo, rural e urbana, ao longo da uma linha de contatos com a dança do mundo, principalmente com aquela que se faz globalmente visível através dos filmes musicais americanos que cruzam as telas do planeta no pós-guerra. Das danças de salão dos aristocratas, da fuzarca coreográfica do charleston e do booggie, do frenético rock’n roll, da ebulição do frevo, do gingado do samba, de tudo isso de que os meios de comunicação modernos vão trazendo, aos nossos olhos e ouvidos, a variada composição; pelo rádio, cinema e televisão, vai-se plasmando a dança brasileira moderna, através de lambadas e browns, de breaks e grafittis, danças de rua e de salão, imprimindo um caráter, a um só tempo cambiante e perseverante, como um padrão estético ondulante para nossas danças de tradição, como a danca do forró, na qual, de um único elemento nunca se abriu mão : o agarradinho, o bate-coxa, o mela-cueca, o esquenta-mulé que a estabelece como dança de contato sexual, de socialização sensualizada, contra-pontuada pelos meneios rodopiantes dos pares soltos pelos salões; um jogo de prende-desprende de alta tensão erótica entre o dançar colado e o plácido deslizar dos corpos soltos.

A dança do forró tem basicamente elaborado sua coreografia inspirada, seja nas melodias mornas das toadas românticas, seja no resfolego soluçante dos xaxados de letras provocantes . Tem sido, das danças brasileiras, a que mais faz dialogar, pelos pares em movimento, os sonhos de aconchego e gozo e os suspiros de carne em êxtase e de espírito em repouso: a danca do forró, em que a mão alcança a cintura de pilão da cabocla mais próxima e o pensamento voa até a cabocla tão distante “esperando na janela”, criando assim um pathos de sensualidade e lirismo que se espalha, como brasa de fogueira, pelo salão afora.

A festa

O ambiente do baile de forró vai desde uma pequena sala de uma casinha sertaneja, onde o fim de semana ou a data de aniversário propicia a reunião de alguns poucos pares para a dança, sob o som da sanfona, do triângulo e do zabumba, até o grande salão feericamente decorado e iluminado, down-town ou no subúrbio de alguma grande metrópole, ao som da banda elétrica e eclética que produz o divertimento dito pasteurizado da mega cultura pop globalizada dos nossos tempos pós-madernos.

O baile de forró acolhe desde um punhado de camponeses e camponesas dos canaviais pernambucanos em seus modestos ambientes ainda rurais ou semi-urbanizados até os milhares de jovens das classes médias mestiças da zona sul carioca ou da periferia paulistana, reunidos, aos milhares, para desfilar as indumentárias e gírias da moda, em situações de alta voltagem erótica e emocional, `a feição dos grandes rituais contemporâneos de tribos e gangues cosmopolitas das grandes metrópoles modernas de qualquer lugar do planeta .

O forró fez a longa viagem da tradição à invenção sem abrir mão das aléias de bandeirolas coloridas esvoaçantes sobre as cabeças dos dançarinos nos bailes de São João das grandes cidades do interior da Paraíba ou da Bahia; sem deixar, pelo caminho, os signos estéticos e culturais de suas matrizes sociais.

O forró traz a marca da estética antropofágica brasileira em sua forma mais alegre e mais feliz, deixando manifestar, em seu organismo, todo um mundo de contaminações, sem que venham a adoecer gravemente as células do seu velho corpo de passado e tradição.. Ao contrario: fazendo de todos os venenos do presente pós-moderno, um coquetel de fortificantes para o corpo franzino mas esbelto e ágil da sua diversidade cultural, nossa diversidade cultural.

Rumo ao futuro

Como elemento característico de uma identidade nacional em permanente criar-se e recriar-se, formar-se e reformar-se, integrar-se e entregar-se, a vida cultural brasileira – já nascida sob os tons plurirradiantes de um sol de muitas luzes luso-afro-ameríndias e outros raios – nao habilitou-se a edificar edifícios inabaláveis e indestrutíveis como em outros lugares. A cultura brasileira, ao contrário de culturas antigas que lograram permanecer quase intactas por períodos muito longos, esteve, desde o começo, ao sabor de ventos leves, de brisas suaves que a levaram sempre para mais longe de um ancoradouro idealizado, de um porto seguro almejado. Como se Porto Seguro, o lugar de chegada do descobridor tivesse sido, de imediato, o lugar de saída do descoberto, de volta ao mar inseguro de um encoberto, desconhecido e indecifrável futuro cultural. Como se, logo de início, tivéssemos resultado de um lance poético de dados a nos impossibilitar, de vez, um devir de prosaicas verdades ; logo, de cara, um Monte Pascoal de novas imediatas saídas de volta para o Egito; logo, de cara, um monte de novos significados e nenhuma verdade; logo na chegada, uma volta aos mares orientais de Chinas e Indias pré-filosofais, uma volta a tempos glaciais de uma humanidade plena de passados e futuros eco(i)lógicos integrais. Logo na chegada, a saída para um eterno país do futuro que estaríamos fadados (sambados?) a ser.

Ao oferecer-se, generosamente, como entroncamento de linguagens musicais e de dialetos coreográficos que circulam pela nossa história cultural desde há muito, o forró representa uma das faces mais expressivas dessa “festa nossa de cada dia” que estreou nas praias de Porto Seguro.

Ao lado de outras de nossas matrizes lúdicas como o candomblé e o carnaval, o nosso forró de São João e de todo dia vai seguindo seu caminho, seu tão, eternamente imanente, jamais completamente expresso – o tão do baião a que um dia me referi numa canção – rumo às praias de um futuro aberto, o mesmo céu-aberto, fundo erguido sobre as cabeças de marinheiros e índios, de há pouco mais de cinco séculos, naquela praia inicial do litoral, da Bahia.

São Mateus




Há algum tempo, mais ou menos na época do lançamento do disco São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe do Rodrigo Campos, venho falando que é sintomático que a evolução do samba se dê nas periferias. De São Paulo.
(Veja aqui e aqui).
Defendo também que o tratamento que o Rio de Janeiro da a cultura, com uma defesa ingênua da tradição, somente congela a produção num idealismo besta e anti-cultural.

Hoje para minha surpresa topei com isso aqui:

"O SAMBA EM NOITES DE GALA. EM SÃO PAULO, CLARO.
Por: Nei Lopes
Imagine o visitante do Lote uma orquestra de samba com bem uns 30 músicos,
tocando arranjos simples mas ensaiadíssimos e habilmente regidos; diversos e
bons intérpretes, apoiados por um coro misto de 10 vozes; um roteiro
impecável, com direito a algumas coreografias dos ritmistas; o improviso do
partido-alto pontuando alguns quadros; todo mundo bonito, bem vestido, num
palco artisticamente iluminado e com uma sonorização na medida.
Pois foi assim o lançamento, no SESC Pompéia, no último fim de semana, do CD
“O Berço do Samba de São Mateus”, produzido pela rapaziada do Quinteto em
Branco e Preto para o SESC e contando com texto de apresentação do Velhote
do Lote.
Produção do cada vez mais competente Carmo Lima, o grande produtor do bom
samba hoje em São Paulo, os dois espetáculos – que dão seqüência a um turnê
iniciada na bela e moderníssima unidade Itaquera e que vai contemplar todos
os SESCs de São Paulo – deixaram de alma lavada quem os assistiu. Prova do
poderio e da Cultura diversificada e descolonizada que se pratica hoje na
organização brilhantemente dirigida pelo sociólogo Danilo Miranda, eles
atraíram um publico numeroso, que lotou a ampla Choperia, tanto no sábado
quanto no domingo.
Enquanto em outras “praias” só se entende a cidadania em forma de “oloduns”,
capoeira, rap e hip-hop, o SESC vai bem mais longe, incluindo também, na sua
luta contra exclusão, o Samba - que só é “velho e ultrapassado” para os
tolinhos ou mal intencionados; que se renova e diversifica a cada momento; e
que está batendo um bolão, bem vestido, cheiroso, brilhante e iluminado...
em São Paulo. "


Apesar do argumento do Nei estar recheado de um preconceito burro que enxerga na produção negra-periférica do Brasil um erro contra a tradição, ele também percebe o samba se redimensionar, o túmulo do samba se pronunciar.

Pouco a pouco, os olhos se voltam praquele lugar, que não é tão distante assim...


Baixe aí!

Nego



Canções americanas, mais brasileiras que as mais brasileiras canções americanas.

Baixe!

Em Chicago



Uma percepção bacana sobre uma cultura cibernética é a formação de cenas independentes fortes, consistentes e conscientes.

Isso aqui é bacana. Ouçam!

Audio8

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Putz...



Perder um show de uma banda importante do Brooklyn no Rio de Janeiro por falta de informação é triste.

O Rio com essa merda de reestruturação, restauração das características da cultura da cidade se perde................. Não existe uma agenda cultural inteligente.

Ok... Eu também errei...

Enfim... Baixem aí! E quem estiver em SP na quarta, vá ver!!!!!!!!!!!

domingo, 29 de novembro de 2009

Ontem foi foda




Pois é... É isso mesmo!
Ó o Homi aí!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A canção e quem somos nós? -parte 2-

Banda Djavú


Grupo Pixote



No Styllo



Gaiola das Popozudas



Don e Juan


Forrozão Tropikália



Fantasmão


Arlindo Cruz

A canção e quem somos nós?

Buguinha e Ganjaman



Kristoff Silva, Rafael Martini, Pedro Santana, Antonio Loureiro e Pedro Durães



Planta e Raiz



Cascadura



Cidadão Instigado



Manu Maltez e Grupo Cardume



Júlia Says



3 na Massa e Nina Becker



Lulina



Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta



Os The Darma Lovers

Oswald de Andrade



Oferta
Quem sabe
Se algum dia
Traria
O elevador
Até aqui
O teu amor

A canção

A tradição de produzir canção no Brasil é uma coisa muito forte, mesmo. É o traço singular que nos identifica, nos encarna, nos transforma.
A canção brasileira é modernista, é a invenção do Brasil dos Andrade. Jobim, João e Vinícius são Mário, a tropicália Oswald.

E quem somos nós?



Um dos encontros mais maravilhosos da música brasileira: Céu, Thalma de Freitas, Anelis Assumpção.

Blockhead



Hip-hip instrumental norte-americano. Dançante, festeiro.

Ouça

Baixe

The Mercury Program



Post-rock instrumental nova-iorquino. Lindo.

Ouça

Baixe

Tnao



Moçada do México que faz um eletrônico extremamente cool. Pós-Kid A. Vale bem a pena!

Ouça

Baixe

Glorytellers



Um folk-pop lindo. Muito norte-americano.

Baixe

Ouça

terça-feira, 24 de novembro de 2009

De dentro da voz, da cor, dentro do Maracanã

A Toada do Maranhão é quente. É do Rio, sagrado Mirinzá que vem seu Humberto e seu canto modulado, melismático. Salve terra santa, salve canto Brasileiro.

Maracá de Prata com A Barca



Reis na Encanteria

De dentro da voz, da cor, dentro do Itamaracá.

Lia mulher. É grande o respeito. Lia é maior que a ilha.

De dentro da voz, da cor.



Isaar vem de dentro de Recife. De dentro da cor, da voz, do osso, do grão da areia.
Isaar é o Recife.
Lá dentro, onde o Norte acontece, seguro, mora Isaar.
É Brasil. E é África. Gosto amarelo de Cabo Verde.

P.S.1 Isaar cantava com Comadre Fulozinha, e era vocalista do DJ Dolores.

P.S.2 E como toca esse Gabriel Melo. Que guitarra boa da porra!!

Copo de Espuma de 2009

Azul Claro de 2006

Site

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos





"Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso."
"A Metamorfose", de Franz Kafka. (1883-1924)

Otto acertou.

Questã de opiniães?




"Uma coisa são as relações de Estado, outra coisa, as relações entre pessoas. O Brasil mantém relações diplomáticas com o Irã e com outros países que são acusados de violar direitos humanos. O Estado de Israel massacra os palestinos, desrespeita direitos, inclusive com violência contra crianças e estupro de mulheres. Os Estados Unidos mantêm a prisão de Guantánamo. Na década de 1990, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu o ditador Alberto Fujimori [ex-presidente do Peru sobre quem hoje pesam acusações de corrupção e genocídio] e o presidente Lula já recebeu o [ex-presidente dos Estados Unidos] George Bush."

Walquíria Leão, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

A percepção de que vivemos um novo mundo, uma nova época é muito clara, muito necessária. Muitos assuntos novos e complicados vão aparecendo no nosso dia-a-dia e é de extrema responsabilidade que olhemos pra toda essa informação despejada em nós com critério e discernimento.

Incomoda-me profundamente a falta de seriedade da mídia brasileira, altamente tendenciosa. Há muito tempo percebo que nossas opiniões se perdem na geléia de globos, e vejas, e folhas, e istoés.

Aqui vale perguntar. A internet, como grande vetor da descontrução da opinião unilateral de uma mídia engessada, expande e funcionaliza as diversas discussões ou enfraquece por descompatimentar uma opinião mais criteriosa?

Eu acredito na multilateralidade. Acho que é nela que a democracia pode existir com maior êxito.

E aí?

Gil no fronte



Sexta-feira foi o Dia Nacional da Consciência Negra. Celebrar esse tipo de data faz diferença?

Há uma percepção na humanidade inteira de que essas coisas, de modo geral, adiantam. Na década de 80, fui fazer um show em Washington e me telefonaram dizendo que Stevie Wonder queria me ver. Saímos para jantar juntos e perguntei o que ele tinha ido fazer na capital americana. "Estou batalhando pelo Martin Luther King Day", ele respondeu, referindo-se à implantação de um feriado devotado à causa negra. O dia de homenagem a Martin Luther foi de fato oficializado (em 1986). E, anos depois, temos a eleição do primeiro presidente negro americano. Você pode me dizer que não teve nada a ver, mas no final das contas é tijolo sobre tijolo, pedra sobre pedra, que essas coisas vão sendo construídas.

Muito de sua obra musical vem da mistura de costumes, ritmos ou signos de que o Brasil é feito. Compartimentalizar o debate político entre "brancos" e "negros" pode vir a restringir as trocas culturais?

Essa não é a única compartimentalização que se nota dentro das totalidades. Compartimentalizações existem porque existem desigualdades, que precisam ser atacadas. E diferenças, que precisam ser respeitadas. Unidade não é uma abstração, é feita de partes que têm vida própria. Elas devem respeitar o sentido das totalidades, dos interesses comuns, então a política é feita disso. Se não existissem interesses particulares, não existiria política.

Como o senhor se posiciona a respeito da política de cotas para negros nas universidades?

Eis uma questão política, o ideal contemporâneo de fazer reparações, de refazer o equilíbrio que foi rompido em momentos específicos da história - como a escravidão. São técnicas de reparação. Sou a favor e tenho reiterado isso. Cotas já foram experimentadas em outros países, com êxitos e fracassos, e podem ser aplicadas no Brasil, parcialmente, periodicamente, até o momento em que funcionem ou deixem de funcionar. Experimenta, não custa nada.

Mas críticos dizem que essas ações podem reforçar a velha ideia de que a humanidade se divide em raças.

A questão não é racial, é social. São grupos humanos historicamente discriminados por alguma razão. No caso é "raça", mas há tantas outras! As políticas compensatórias da pobreza, tipo Bolsa-Família, existem por isso, por causa de desigualdades e diferenças que precisam ser atacadas por uma visão mais aprofundada de humanismo, de republicanismo, de compromisso com a democracia, com a ideia do oferecimento de oportunidades mais ou menos iguais para todos. O argumento de que essas políticas podem intensificar processos racialistas... Sim, mas aí cabe a vigilância, cuidar para que o efeito colateral do remédio não seja mais forte do que seu efeito curativo.

Em entrevista de 2005, o senhor falou de sua passagem pela Gessy Lever, na década de 60, aos 23 anos. Disse que era uma espécie de "experimento racial" da empresa. De lá para cá, a inserção do negro na sociedade brasileira mudou?

Era um experimento que tinha esses componentes sociais e raciais. Eles queriam dar chance a setores das classes médias brasileiras que emergiam, para que viessem a ocupar postos de destaque, de comando, na empresa. A inserção do negro é um processo um tanto ambíguo, mas a situação tem melhorado, no estilo dois passos para frente, um para trás: se você somar, há um avanço, um deslocamento mínimo positivo. Você vê que a presença do preconceito, que era uma coisa muito forte e determinante das relações sociais no Brasil, tem se atenuado, diminuído. Estava lendo ontem mesmo sobre o ministro Joaquim Barbosa. Ele é um exemplo, é o negro que chegou ao Supremo pela primeira vez.

O Brasil é um país preconceituoso?

Não creio que seja mais do que o conjunto da sociedade humana. Está na média. De certa forma há até mais cordialidade, compreensão, interracialidade e intersociabilidade na sociedade brasileira do que em outras.

Mas a cultura afro-brasileira é reconhecida como deveria no País? Grupos evangélicos de Salvador, por exemplo, estão tentando substituir o termo "acarajé" por "bolinho de Cristo" ou "acarajé de Jesus".

Isso é, de novo, questão política. Quarenta anos atrás era a Igreja católica que, de certa forma, tentava se opor à proliferação e disseminação dos cultos de origem africana. E se associava ao Estado nessa tentativa de interdição do candomblé e da umbanda. Depois a igreja cedeu espaço, assim como o Estado: em 1972, na Bahia, caiu a lei que interditava os candomblés e os obrigava a tirar licença municipal para funcionar. E passaram, como qualquer outra religião, a ter garantido o seu direito de liberdade de culto. Agora os evangélicos, na sua emergência e luta por espaço político, se opõem aos católicos, aos cultos afro-brasileiros, etc. São grupos com novos apetites políticos.

Apetites que representam alguma ameaça?

Ameaças há. No candomblé da minha mulher em Salvador houve um dia em que ela teve que confrontar um grupo de evangélicos que foi lá para a porta do terreiro e se pôs a gritar. Coisas assim acontecem. Agora, na perspectiva do deslocamento histórico, o candomblé já foi absorvido pela sociedade brasileira. E mais: está além-fronteiras, com presença forte no Uruguai, na Argentina, no Paraguai e outros países da América do Sul, tem milhões de adeptos, é respeitado. Fica restrito ao frisson político, à luta encetada por esses segmentos religiosos emergentes.

A umbanda e o candomblé perderam terreno nas favelas, onde proliferam igrejas evangélicas...

É que o garimpo dos evangélicos se faz nas classes populares, onde há uma forte presença do negro e das religiões afro-brasileiras. É por isso que atacam especificamente esses setores e recrutam contingentes para as suas igrejas.

Nos cinco anos e meio em que o senhor esteve no Ministério da Cultura, não foram poucos os que lhe perguntaram se sentia saudade da música. Tem saudade da política?

Saudade, propriamente, não. Tenho lembranças boas e um sentimento de que foi um serviço prestado com muita dedicação e alguma relevância do ponto de vista da percepção da sociedade. Foi interessante servir a um presidente que marca um momento histórico da vida republicana brasileira, que é Lula. Foi um período da minha vida pensado para ser curto e que durou quase seis anos. Está de bom tamanho (risos).

Na época, o senhor declarou que sua frustração foi não ter conseguido elevar a fatia do orçamento federal para o MinC de 0,5% para 1%. Com toda essa pujança da economia brasileira hoje, o País não aprendeu a valorizar sua cultura?

Ainda não. No sentido de alçá-la a um patamar de instituição estratégica, prioritária, com quadros, com orçamento e atenção governamental, ainda não. É preciso ir além: pensar a cultura como elemento fundamental para o desenvolvimento, para a economia e para a cidadania. Cultura já é hoje um setor importante nos PIBs de vários países. No caso do próprio Brasil, entre 5% e 7% vêm do setor. E isso vai crescer com a migração da economia do hardware para o software, dos setores pesados para os setores leves. É preciso, portanto, prestar atenção nessa tendência. Nos EUA, a maior exportação já não é de armamento, mas de produtos culturais: filmes, jogos eletrônicos, música. O Brasil se ressente de não ter uma língua de ponta para lastrear suas investidas internacionais. Mas vai melhorando diante do enfraquecimento da hegemonia dos produtos culturais de língua inglesa no mundo. Estou vendo aqui na capa da The Economist, o Cristo decolando. E também no filme 2012, sobre o fim do mundo, o Cristo surge como ícone de civilização, tanto para o bem quanto para o mal. O Brasil está chamando a atenção do mundo.

Falando em cinema, o filme "Lula, o Filho do Brasil" será lançado com ingressos populares e todo um esquema de divulgação em massa, mas críticos têm apontado sua vocação como peça promocional...

Mas é promocional de quem? O filme foi feito por quem? Algum partido político ou algum ministério? É um filme que resolveram fazer sobre Lula. É a cultura que está pegando o bonde da popularidade dele, não o contrário. Óxente, estão fazendo um blockbuster com um tema popular! Agora mesmo foi lançado um filme chamado Besouro, também desenhado para ser um estouro do de bilheteria, com boa realização técnica. Ainda não o vi, mas até canto uma canção nele. Besouro é outro exemplo disso, um ídolo popular, negro, mitológico capoeirista que existiu na Bahia e é transformado em super-herói. Essa é uma tendência e o Brasil terá interesse de ocupar os espaços do grande cinema popular de massas, na linha de Os Dois Filhos de Francisco. Também no cenário musical não é mais a classe média que domina a produção. São as favelas de São Paulo e do Rio, as periferias de Salvador e Recife, que estão criando novos gêneros, ditando novas modas.

No dia de seu desligamento do ministério, o senhor disse que cederia a canção "Refazenda" para divulgar "o avanço da agricultura familiar com os biocombustíveis". Com a euforia do pré-sal, pouco se fala do assunto. Isso o preocupa?

Me preocupa sim. É aquela mania: acharam uma pepita de ouro, então não precisa mais trabalhar, plantar algodão, cebola. Vai viver da pepita de ouro. Não é assim. Nós estamos com a Convenção do Clima de Copenhague, que vai tratar do aquecimento global, batendo à porta. O petróleo, os combustíveis fósseis, são datados na história, ou seja, não são inesgotáveis. Está lá a luta de Obama, dos setores avançados do empresariado americano e da academia, em prol da prevalência das fontes alternativas. Não podemos nos descuidar disso. A instituição do meio ambiente no Brasil precisa ser fortalecida. É a mesma questão da cultura: o ministério do Meio Ambiente ainda não está à altura, não tem orçamento, quadros, prestígio ou espaço no gabinete da Presidência, do jeito que deveria ter. Lula não dá a importância que deveria dar ao Ministério do Meio Ambiente.

O senhor diria que o pré-sal é uma bênção ou uma maldição?

Nem bênção nem maldição. É um recurso adicional num setor que ainda significa riqueza. Mas é só isso. O Brasil vai ter uma folga em combustível fóssil - e isso ajuda o País a pesquisar novas alternativas energéticas. Vai inclusive poder investir mais em pesquisa.

A senadora Marina Silva deixou o PT para ingressar em seu partido, o PV, e lançar-se candidata à Presidência da República. O senhor vai mesmo apoiá-la?

Já estou na campanha dela. Não preciso nem explicar o que ela significa. É como Caetano disse: politicamente e socialmente, Marina é um Lula, é um Obama. É uma mestiça brasileira que emerge, é mulher também, preparada, sensível, culta no sentido da vida e das coisas que circulam na periferia da política, é imersa nisso tudo desde a adolescência. Gosto muito dela. Nós trabalhávamos no mesmo prédio em Brasília, convivemos muito, temos afinidades. Confio nela.

Politicamente, ela significa o novo?

Sem dúvida. É um deslocamento no sentido do avanço. Assim como Fernando Henrique foi um belo presidente para o País e deixou espaço para que Lula o sucedesse de forma ainda mais interessante, uma presidência com Marina Silva seria um avanço ainda maior para o País. Do ponto de vista simbólico e, estou seguro, também do ponto político e pragmático. Pois ela seria hábil o suficiente para se cercar do que pode haver de melhor hoje no País, estabelecer diálogos com áreas importantes do pensamento brasileiro e do empreendedorismo.

E o que o senhor achou do complemento da frase de Caetano: "Marina não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro"?

Caetano disse claramente nas explicações que deu depois da entrevista, que foi apenas descritivo. Quis dizer uma coisa que é pública no Brasil: os linguistas aplaudem e o próprio Lula gosta do fato de ser visto como uma pessoa iletrada que chegou lá. Só que Caetano usou os termos mais chulos (risos) para se referir a uma coisa que todo o mundo admite, e da qual todos nos orgulhamos, o fato de um homem não letrado ter chegado à Presidência com tanto êxito.

Os discursos que fez e as conversas que teve em Brasília danificaram a sua voz. Como ela está?

Está indo bem. Voltei a cantar mais do que falar e tenho mantido cuidados fonoterápicos permanentes. Faço exercícios de voz diários para fortalecimento do aparelho vocal. Então minha voz tem estado bem melhor do que à época em que estava no ministério.

E que tal está o novo CD e DVD, o acústico "Bandadois"?

Havia uma demanda por parte de muita gente, fãs e amigos, para que eu me dedicasse a esse modelo simples, suave, do projeto acústico. Desde o disco Gil Luminoso (1999), que foi um projeto de voz e violão, tenho me dedicado a incursões por esse formato. Juntei-me a meu filho Bem, no Bandadois, e agora veio o Jaques Morelenbaum. Então, é um "bandatrês". Um modelo que me dá tranquilidade, é mais manso, o uso da voz é mais moderado e não tenho que brigar com a intensidade timbrística das percussões ou instrumentos elétricos. Propicia uma expressividade mais sob meu próprio domínio e batuta. Mas também gosto das performances "stoneanas", tão típicas de Londres (risos).

Hoje o senhor revê Londres com alegria ou melancolia?

A lembrança daqui é boa. Ainda hoje saí à rua com a Gilda (Mattoso, assessora do cantor), vendo as pessoas, os prédios, as ruas, a arquitetura, ônibus específicos... Londres é um lugar diferente, tem sua marca própria. Dizem que a Inglaterra é a China do Ocidente.

Na entrevista que deu ao "Aliás" quatro anos atrás, o senhor disse que seus filhos não iriam viver dos seus direitos autorais. Vimos, de fato, a autoria ser colocada em questão no mundo da internet. Qual é sua visão hoje?

De fato, há um desmantelamento, uma desconstrução do modelo clássico de autoria, que estava em vigência até agora. E muita coisa vira escombros, ruína, com prejuízos a grupos de interessados e titulares de direitos que viviam disso. Mas há um segundo aspecto importante no princípio do direito autoral, que é o acesso à obra, e que vem emergindo. Uma extensão imensa da acessibilidade e da própria autoralidade: falo das novas mini e microautoralidades que são proporcionadas pelo mundo digital. Todas as formas artísticas vão passar a ter uma dimensão mais pública mesmo. E para o atendimento dessa dimensão será preciso redesenhar todo um sistema legal e de direitos.

O que a sua parabólica anda captando em termos de cenário político para o Brasil?

Os fatos e os gestos internos, do próprio Brasil e do mundo, falam de forma mais eloquente do que eu poderia falar. Hoje o País é reconhecido e Lula é uma liderança mundial. Viajo pelo mundo todo e fico vendo: os repórteres só me perguntam disso, o Brasil, o Brasil. Eu fico pensando: "O que vou dizer a eles?" Não tenho nada a dizer. Eu sou o Brasil (risos).

Daqui ó!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Bicho...

... E nisso o Rio tá em guerra. Parece que a coisa tá feia, mesmo...

Sorvete quentásso (com espinhos e carinho)

Antes que me esqueça de deixar este presentin pra moçada!
Presentárásso!!



... pra Thiago e Gabriel.


Porrada!

Na ordem da desobediência



Esse aí entra pro "coisas mais bonitas dos últimos tempos".

Piraí!

The Tallest Man On Earth

Oiça



Aqui!

sábado, 17 de outubro de 2009

O Amor em Visita

de Herberto Helder

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele — imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
— Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria!

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.

- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.

Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.

E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

do amigo Chico

Surpresa carioca



Surpresa

Design pelo mundo!

Chá


Água



Café



Vinho


The two famous wine regions of Margaret River and McLaren Vale and the two talented wine makers created one wine. Using grapes from the Margaret River (WA) and McLaren Vale (SA) in the one wine had not been done before due to the vast distances between the regions.
Mash’s solution was to tell the story behind the brand through the packaging itself. Co-incidentally the 2 wine makers both shared the same last name, ‘Lane’. Hence the brand name ‘Changing Lanes’. As the bottle is tilted the face on the label changes from Mark Lane to Justin Lane (the two wine makers in question).

The Changing Lanes packaging won the coveted Yellow Pencil award at the 2008 D&AD’s, an international branding and design awards show based in the UK.



Visite!

Cocô verídico




Um dia de merda

O que é um peido para quem está todo cagado?


A expressão do título é conhecida de todos, mas o texto que a
originou é menos. É uma obra de Luis Fernando Veríssimo sobre a
obra veríssima que ele fez numa viagem para Miami.
Aeroporto Santos Dumont , 15:30..

Senti um pequeno mal-estar causado por uma cólica intestinal, mas
nada que uma urinada ou uma barrigada não aliviasse.

Mas,atrasado para chegar ao ônibus que me levaria para o Galeão,
de onde partiria o vôo para Miami, resolvi segurar as pontas.Afinal
de contas são só uns 15 minutos de busão..'Chegando lá, tenho
tempo de sobra para dar aquela mijadinha esperta, tranqüilo, o avião
só sairía às 16:30'.
Entrando no ônibus, sem sanitários. Senti a primeira contração e
tomei consciência de que minha gravidez fecal chegara ao nono mês e
que faria um parto de cócoras assim que entrasse no banheiro do
aeroporto.

Virei para o meu amigo que me acompanhava e, sutil falei:
'Cara, mal posso esperar para chegar na merda do aeroporto porque
preciso largar um barro.'

'Nesse momento, senti um urubu beliscando minha cueca, mas botei
a força de vontade para trabalhar e segurei a onda.'
O ônibus nem tinha começado a andar quando, para meu desespero,
uma voz disse pelo alto falante: 'Senhoras e senhores, nossa
viagem entre os dois aeroportos levará em torno de 1hora, devido a
obras na pista.

'Aí o urubu ficou maluco querendo sair a qualquer custo'.
Fiz um esforço hercúleo para segurar o trem merda que estava para
chegar na estação ânus a qualquer momento.
Suava em bicas. Meu amigo percebeu e, como bom amigo que era,
aproveitou para tirar um sarro.

O alívio provisório veio em forma de bolhas estomacais, indicando
que pelo menos por enquanto as coisas tinham se acomodado. Tentava me
distrair vendo TV, mas só conseguia pensar em um banheiro, não com
uma privada , mas com um vaso sanitário tão branco e tão limpo que
alguém poderia botar seu almoço nele. E o papel higiênico então:
branco e macio, com textura e perfume e, ops, senti um volume
almofadado entre meu traseiro e o assento do ônibus e percebi,
consternado, que havia cagado. Um cocô sólido e comprido daqueles
que dão orgulho de pai ao seu autor.
Daqueles que dá vontade de ligar pros amigos e parentes e
convidá-los a apreciar na privada.

Tão perfeita obra, dava pra expor em uma bienal.

Mas sem dúvida, a situação tava tensa. Olhei para o meu amigo,
procurando um pouco de piedade, e confessei sério:
'Cara, caguei!'

Quando meu amigo parou de rir, uns cinco minutos depois,
aconselhou-me a relaxar, pois agora estava tudo sob controle.

'Que se dane, me limpo no aeroporto', pensei.
'Pior que isso não fico'.

Mal o ônibus entrou em movimento, a cólica recomeçou forte.
Arregalei os olhos, segurei-me na cadeira mas não pude evitar, e sem
muita cerimônia ou anunciação, veio a segunda leva de merda. Desta
vez, como uma pasta morna. Foi merda para tudo que é lado, borrando,
esquentando e melando a bunda, cueca, barra da camisa, pernas,
panturrilha, calças, meias e pés.
E mais uma cólica anunciando mais merda, agora líqüida, das que
queimam o fiofó do freguês ao sair rumo a liberdade. E depois um
peido tipo bufa, que eu nem tentei segurar. Afinal de contas, o que
era um peidinho para quem já estava todo cagado...
Já o peido seguinte, foi do tipo que pesa. E me caguei pela quarta
vez. Lembrei de um amigo que certa vez estava com tanta caganeira que
resolveu botar modess na cueca, mas colocou as linhas adesivas viradas
para cima e quando foi tirá-lo levou metade dos pêlos do rabo junto.
Mas era tarde demais para tal artifício absorvente. Tinha menstruado
tanta merda que nem uma bomba de cisterna poderia me ajudar a limpar
a sujeirada.
Finalmente cheguei ao aeroporto e saindo apressado com passos
curtinhos, supliquei ao meu amigo que apanhasse minha mala no
bagageiro do ônibus e a levasse ao sanitário do aeroporto para que
eu pudesse trocar de roupas. Corri ao banheiro e entrando de boxe em
boxe, constatei falta de papel higiênico em todos os cinco.
Olhei para cima e blasfemei: 'Agora chega, né?'

Entrei no último, sem papel mesmo, e tirei a roupa toda para
analisar minha situação (que concluí como sendo o fundo do poço)
e esperar pela minha salvação, com roupas limpinhas e cheirosinhas
e com ela uma lufada de dignidade no meu dia.
Meu amigo entrou no banheiro com pressa, tinha feito o
'check-in' e ia correndo tentar segurar o vôo. Jogou por
cima do boxe o cartão de embarque e uma maleta de mão e saiu antes
de qualquer protesto de minha parte. 'Ele tinha despachado a mala
com roupas'.
Na mala de mão só tinha um pulôver de gola 'V'.

A temperatura em Miami era de aproximadamente 35 graus.

Desesperado comecei a analisar quais de minhas roupas seriam, de
algum modo, aproveitáveis. Minha cueca, joguei no lixo. A camisa era
história.
As calças estavam deploráveis e assim como minhas meias, mudaram
de cor tingidas pela merda . Meus sapatos estavam nota 3, numa escala
de 1 a 10.
Teria que improvisar. A invenção é mãe da necessidade, então
transformei uma simples privada em uma magnífica máquina de lavar.
Virei a calça do lado avesso, segurei-a pela barra, e mergulhei a
parte atingida na água. Comecei a dar descarga até que o grosso da
merda se desprendeu. Estava pronto para embarcar.
Saí do banheiro e atravessei o aeroporto em direção ao portão de
embarque trajando sapatos sem meias, as calças do lado avesso e
molhadas da cintura ao joelho (não exatamente limpas) e o pulôver
gola 'V', sem camisa. Mas caminhava com a dignidade de um
lorde.
Embarquei no avião, onde todos os passageiros estavam esperando o
'RAPAZ QUE ESTAVA NO BANHEIRO' e atravessei todo o corredor
até o meu assento, ao lado do meu amigo que sorria.

A aeromoça aproximou-se e perguntou se precisava de algo.
Eu cheguei a pensar em pedir 120 toalhinhas perfumadas para
disfarçar o cheiro de fossa transbordante e uma gilete para cortar
os pulsos, mas decidi não pedir:

'Nada, obrigado.'

Eu só queria esquecer este dia de merda . Um dia de merda...

Luis Fernando Veríssimo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

De arrepiar -a continuação-

Indicação especial do Thiago Sá. (como sempre!)



É tão bonito, tão especial, tão tocante, tão... Que vai logo o álbum inteiro! =)



Pode levar!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ah... A Tecnologia...

"The dual 7-inch (or so) screens are multitouch, and designed for writing, flicking and drawing with a stylus, in addition to fingers. They're connected by a hinge that holds a single iPhone-esque home button. Statuses, like wireless signal and battery life, are displayed along the rim of one of the screens. On the back cover is a camera, and it might charge through an inductive pad, like the Palm Touchstone charging dock for Pre."

sábado, 26 de setembro de 2009

Cibercultura e cultura digital



As diversas combinações virtuais que imprimem e configuram variantes ao mundo da cultura no século XXI, como a profusão dos diálogos, o compartilhamento do conhecimento do mundo como forma de democracia, a inversão da ideia de escolha na relação sujeito-mídia, sujeito-indústria, a apropriação e re-utilização do copyright e, sobretudo, a possibilidade de inventarmo-nos como seres pensantes, criativos e criadores, me interessam profundamente.
Lamento que figuras como Jorde Du Peixe e Zero Quatro, percebam as mudanças na cultura com um olhar tão pequeno. Estes artistas não me representam.


Cultura Digital.br
Laymert Garcia dos Santos
Sociólogo

Como você vê o impacto da cultura digital?

O impacto o digital na cultura é imenso e as pessoas não têm muita noção do que isso significa, porque as pessoas pensam que a cultura pode ser a mesma no mundo digital, ou que a cultura pode ser a mesma, você digitalizando a cultura, levando-a, digamos, para o mundo digital. Traduzindo para o mundo digital. Na minha perspectiva, é outra história, porque não se trata só de uma digitalização da cultura, mas da criação de uma outra cultura, com outros referenciais, com uma outra cientificidade operatória (ou seja, uma outra maneira, um outro conceito de cultura) e uma outra maneira de conceber o que deve ser considerado ou não cultura e de como é que você olha as outras culturas, que não são a cultura de um cibernético. Eu prefiro chamar cultura cibernética do que cultura só digital. Inclusive porque eu considero que essa cultura cibernética trata a cultura moderna como uma cultura tradicional, apagando a fronteira que existia aqui entre o tradicional e o moderno (as chamadas culturas tradicionais e a cultura moderna). E, ao tratar a cultura moderna como também sendo de um outro tempo, como cultura tradicional, ela permite uma reavaliação completa das outras culturas com relação ao moderno, e da moderna e das tradicionais com relação a essa cibercultura. Então é uma questão muito maior do que só uma utilização, uma tradução ou transposição do que é cultura para o mundo digital ou, enfim, para a chamada realidade virtual. É muito mais do que isso. É uma reconfiguração da própria noção de cultura e da noção de conhecimento, inclusive, que está junto com a noção de cultura. Foucault percebeu que talvez a gente esteja indo para uma formação outra, esteja entrando numa outra formação histórica e que há uma transformação de fundo no campo da vida, do trabalho e da linguagem. Que são os três campos fundamentais para mostrar que nós estamos caminhando para uma outra configuração. Hemínio Martines, um sociólogo da tecnologia português, que era professor em Oxford, um erudito que realmente acompanha o processo de evolução, fez um mapeamento, depois da virada cibernética, do que é que se cibernetizou, e fala da física à teologia. Quer dizer, passa de todo o campo das ciências chamadas duras, para ciências humanas, para filosofia, para os estudos de linguagem, para a teologia – o que dá uma idéia da reconfiguração, do próprio modo de entender o mundo, o entendimento do humano. Portanto, toda a cultura está passando por esse processo de transformação. E o modo como isso é pensado é diferente do que o modo tanto de como essas questões eram pensadas nas culturas tradicionais, quanto na cultura moderna.

Você prefere o termo cibercultura à cultura digital?

Quando você fala cultura digital,está falando só da dimensão novas mídias e está falando, digamos, dos processos de digitalização da cultura. Como eu acho que é mais amplo, eu prefiro cultura cibernética, porque esse termo abrange, até do ponto de vista conceitual, não só os processos todos, mas a transformação da forma que lidamos com eles. Nesse sentido eu prefiro a expressão cibernética ao invés de digital. De qualquer forma, o termo cultura digital já pegou, portanto ele é um elo importante. Mas você pode dar uma consistência maior para esse conceito e fazer entrar nele a dimensão de conhecimento que o referencial é outro, o pensamento é outro e o modo de pensar a cultura é outro. O que estamos vivendo não é um prolongamento do que ocorria antes. No meu entendimento, pelo menos, não é. Há uma ruptura.

Em outra entrevista, você lembrou da importância de repensar as culturas indígenas, pela sua capacidade de nos mostrar outros virtuais. podia aprofundar um pouco essa questão?

Eu posso dar um exemplo disso, que é um caso muito concreto. O que a vida cibernética trouxe? Ela trouxe a noção de informação. O que é a informação? Informação é a terceira dimensão da matéria, junto com a massa e a energia. Portanto, quando a informação começa a ser central na elaboração e até na própria definição do que é o real, o entendimento a partir dessa noção de informação (que é a diferença que faz a diferença), ao ser central na cultura contemporânea, é necessário começar a ver também as outras culturas a partir dessa noção. Se você começa a ver as suas culturas a partir dessa noção, você começa a notar o seguinte: a alta tecnologia lida com atualizações do virtual, de potências virtuais (ou potências do virtual, da dimensão virtual da realidade), não da realidade virtual, mas da dimensão virtual da realidade, e ao lidar com essas potências, ela atualiza um determinado número de potências de uma determinada maneira. Os yanomami, eles atualizam essas potências de outro modo, porque eles escolheram uma outra via, que a gente pode considerar como outras tecnologias de acesso ao novo virtual e de atualização desse mundo virtual. Se você conversa, por exemplo, com um antropólogo, como o Bruce Albert, que acompanha e discute filosofia, com o Davi Yanomami, ele vai dizer para você o seguinte: “A questão do xamanismo é uma questão de resolução audiovisual, é uma questão de resolução de imagem e de som.” Eles têm tecnologias específicas extremamente avançadas, altamente sofisticadas de resolução de imagem e de som, que passam pelos processos xamanístico que nós não conhecemos. Então, colocar os yanomami em diálogo, por exemplo, com quem está pensando a alta tecnologia, poderia ser uma grande contribuição. Considerando a cultura deles tão importante quanto a nossa, mas que tenham escolhido uma outra via que a nossa para esse acesso ao virtual. O interessante é você ver os pontos de contato entre quais são as maneiras de você, digamos, encontrar resolução de imagens e sons na nossa cultura e na cultura deles. Isso só é possível se começarmos a considerar a cultura deles sob um outro prisma e tentar entrar em contato com ela a partir de uma perspectiva da qual ela também é interessante para o nosso desenvolvimento. E os yanomami também querem falar no celular, tirar foto digital, gravar. Então ele também tem um interesse em conversar com a gente a respeito desse outro lado, dessa outra tecnologia. Isso é possível justamente porque nós não estamos mais no terreno moderno.

O Eduardo Viveiros de Castro fala que “o mundo metafísico ocidental é o oposto ao mundo metafísico indígena. o nosso mundo metafísico é o da solidão, quer dizer, o do isolamento (é um mundo vazio), e o deles o da superpopulação”. certa vez, num debate com ele, falamos que a partir do aparecimento da cultura digital, da troca do produto pelo processo e dessa superpopulação virtual dos contatos, por Msn, Orkut, celular, Twitter, se nós não estamos nos transformando em índio. e ele respondeu: “sim, só que no pesadelo dos índios”.

Para mim a questão é um pouco diferente: se a gente considerar a avalanche tecnológica, que é um termo já cunhado e entendido pelos especialistas em função da aceleração da aceleração tecnológica, a mudança é cada vez mais brutal. Se você pega a Lei de Moore, que faz mais de 40 anos que está acontecendo, de a cada ano e meio dobra a capacidade de tecnologia, isso traz uma evolução brutal. A tendência parece que é continuar assim. Conheci há dois anos atrás um grego, Konstantinos Karachalios, que fez a seguinte observação: “Se você considerar o progresso tecnológico realizado no ano 2000 como uma ‘unidade de tempo tecnológico’, então calcula-se que o século XX teve, ao todo, 16 dessas unidades. Todo o século XX é equivalente a apenas 16 anos do progresso tecnológico medido pelo ano 2000; isto é, em termos tecnológicos o século todo poderia ser comprimido em apenas 16 anos, com desenvolvimentos cada vez mais concentrados em seu final. Levando em conta esse efeito de aceleração, você poderia imaginar quantas unidades de tempo tecnológico nós e nossos filhos vamos experienciar (e ter de enfrentar) durante o século XXI? Aparentemente, haverá mais do que 100, mas você pode imaginar quanto? Bem, se você simplesmente extrapolar a tendência atual, assumindo que não ocorrerão desastres em larga escala e a longo prazo, pode ser que tenhamos que lidar com um progresso tecnológico equivalente a 25.000 anos (baseado na tecnologia do ano 2000) dentro de duas gerações. Mesmo que você considere ‘apenas’ 1000 anos, teremos que enfrentar desafios semelhantes aos que a maioria das populações da África ainda está enfrentando, populações que foram catapultadas da idade da pedra ou do ferro na modernidade, dentro de 2-3 gerações.” Calcule qual é a taxa de aceleração. Quem vai agüentar o impacto dessa compressão do tempo? O que significa isso? Significa que nós somos neoprimitivos com relação à própria sociedade que a gente está vivendo. E é aí que a gente se encontra com os yanomami. É uma noção que a gente inclusive precisa aprender com esses outros povos. Como é que eles também lidam, quando eles fazem a relação entre a evolução deles com a nossa evolução? Porque eles também lidam com temporalidades muito diferentes, só que com uma diferença: no caso deles, eles têm que lidar com a temporalidade da outra sociedade; a sociedade não é a deles.

Portanto, eles podem respirar de vez em quando, a gente não.

E com essa aceleração não é possível qualquer tipo de decantação da experiência. Qual é a cientificidade operatória deste novo mundo que está por vir? É recombinação. Mas a lógica da recombinação, segundo o que que ela impera? Não é mais o critério moderno, é tudo processual. Portanto, não haverá mais espectador, porque está todo mundo envolvido no processo, com diferentes graus de inserção, com relação à tecnologia. A experiência não conta mais, o sujeito mais velho não tem nada para ensinar para o mais jovem porque a experiência acumulada não conta mais. Porque se você não estiver fazendo um upgrade permanente do seu conhecimento, e das suas ferramentas, você perde o pé desse processo.

Existe então uma contribuição brasileira para este cenário?

O meu maior problema com o Brasil é que existe uma riqueza enorme e há um déficit de pensamento sobre o potencial dessa cultura nessa nova configuração que a gente vive e, sobretudo, no novo papel que esse país assume nessa redistribuição geopolítica pós-derretimento dos mercados. A chamada inteligência brasileira, com raras exceções, ainda não percebeu a mudança evidente que está ocorrendo. E nem as possibilidades que estão se abrindo – e isso eu acho gravíssimo do ponto de vista da política. A diferença com relação ao primeiro mundo vai ser a possibilidade de engatar com a cultura daqui, junto com essa tecnologia, fazendo uma outra coisa, que não aquilo que o centro, digamos, que o mundo euro-americano fez. Os chineses estão fazendo isso, é o que os indianos estão fazendo, é o que, de certo modo, é cobrado de nós, mas não existe pensamento sobre isso aqui. Os chineses fizeram o movimento da cultura tecnocientífica euroamericana, se apropriou daquilo e, ao mesmo tempo, engatou aquilo com a cultura do tradicional que ele tem. E ele joga nos dois tabuleiros. Os indianos fazem a mesma coisa. Como o Brasil nem reconhece que a tem uma cultura brasileira que não seja aquela que espelha o ocidente, não pode dar ainda esse passo.

E não só culturas outras, mas tecnologias outras também.

Se você começa a revalorizar e reconhecer que existem tecnologias outras, que são interessantíssimas do ponto de vista de uma perspectiva da informação. Se você considerar nessa perspectiva, o valor dessas culturas indígenas, por exemplo, começa a ser fabuloso. A questão volta para a noção que a gente tinha do que é arcaico e do que é moderno. Tem que ser repensada, na verdade, porque nós não queremos supor que esses povos são idiotas e que eles ficaram 3.000 anos parados no tempo. É claro que eles desenvolveram uma outra coisa, que não é o caminho que a gente tomou. Mas você chega para os xavantes, eles falam: “O avião foi a gente que inventou, só que a gente não desenvolveu.” Porque no entendimento deles não era necessário o desenvolvimento. O xavante fala isso, o yanomami fala isso a respeito de máquina, o outro povo vai falar várias coisas parecidas. Você vai sair do Brasil, você vai encontrar mais ou menos esse mesmo tipo de pensamento. Então se eles não estavam interessados em se desenvolver, eles estavam interessados em quê? Eu tenho uma suspeita, uma intuição de que tem dois movimentos: tem esse movimento de você ir para o mundo, para a dimensão virtual da realidade e voltar para atualização, que é o mundo, digamos, no qual se concretiza as potências desse virtual. E tem outro que é simplesmente mergulhar no virtual. Eu não tenho base nenhuma para afirmar isso cientificamente, mas eu tenho a impressão de que a fissura do ocidente é trazer das potências do virtual, concretizar a potência virtual e trazer de lá para cá. E a fissura dos xamãs é o contrário: é ir cada vez mais fundo para o virtual.

E a questão da posse sobre esses conhecimentos? de quem é, quem precisa ser protegido nesse sentido? os índios, o brasil, o mundo?

Eu acho que o Estado tem um papel fundamental nessa história, sobretudo porque a sociedade não se deu conta disso. E nesse sentido foi muito importante o entendimento que o Gilberto Gil tinha disso. O Gil é uma pessoa que tem um entendimento muito amplo de cultura, no qual cabiam essas certas articulações e passagens, digamos, da chamada cultura popular e das culturas tradicionais, até essa outra ponta. O que é raríssimo no Brasil. Tanto é raríssimo, que eu tenho a sensação de que isso não foi entendido pela intelectualidade brasileira o tanto que merecia ser. E o fato de uma pessoa como ele ter estado na frente do ministério tentando implantar essa estratégia, eu acho importantíssimo. Acredito que o desafio hoje, a minha maior preocupação é que se abram oportunidades para nós, do ponto de vista de cultura, no plano internacional, e pode ser que a gente perca essa oportunidade. Porque a sociedade brasileira não sacou nem que se abriu essa possibilidade. Se você não sabe nem que abriu, como é que você vai aproveitar uma oportunidade que está aí, que está passando debaixo do teu nariz? Eu acho que a discussão disso passa justamente por um entendimento de que a gente tem um potencial para desenvolver tecnologia. Você tem algumas pessoas trabalhando, inclusive nas artes plásticas, discutindo questão de software. Mas eu tenho um aluno de doutorado que quer fazer uma tese, que é o seguinte: “Por que os trabalhos de arte e tecnologia são, em geral, pobres, no sentido artístico, quando eles usam as novas tecnologias?” Porque eles, na verdade, têm uma idéia que aplica. Mas aquilo que é fundamental num trabalho de arte, numa obra de arte, que é a sensação, não está lá. A sensação está ausente. E por que a sensação está ausente? Porque os caras não sabem conciliar a relação com os aparelhos de maneira que você trabalhe a dimensão da sensação também.

Você se especializa em uma linguagem e esquece a outra.

No Brasil, se você é da área de artes plásticas, você não vai a concerto, se você é da área de cinema, você não vai a teatro. É tudo compartimentado, num mundo que não comporta mais isso. Você vê a discussão aqui e em São Paulo, que inclusive está ganhando novamente, para espanto meu, uma espécie de regressão formalista, que está começando a pintar na área de artes plásticas, que eu acho gravíssima. Na regressão formalista, você vai discutir o quê? Suporte. Numa era que já explodiram todos os suportes... O pessoal do cinema está defendendo o cinema contra a vídeoarte. Não faz sentido, num momento que está todo mundo tentando ver justamente as conexões transversais, você está defendendo o seu território, que é território disciplinar, que já morreu no moderno.

Quando se repensa o direito autoral, quando você repensa essas questões todas, como conseguir ao mesmo tempo incentivar e preservar as tecnologias existentes hoje, que são importantes?

É preciso a noção de preservação é diferente de conservação. Até para o meio ambiente, é a mesma coisa, assim como para a cultura. No meio ambiente, por exemplo, preservação não é preservar, só. Preservação é você ver o que há de valor ali. E não se trata de congelar aquilo, mas de permitir que, em função do valor específico e imanente que aquilo tem, possa continuar se desdobrando. Para aquilo poder se desenvolver ou se desdobrar (inclusive em direções que a gente nem sabe quais são), é claro que contaminados pelo que está acontecendo no mundo. Porque eles não estão isolados do mundo, então vai ter uma hibridação, vai ter mesmo contaminação. Mas não é isso que é grave. Uma cultura tradicional não pode ficar congelada no que ela é. Mas nem eles estão pedindo para ficar congelados. O que eles não querem é que você chegue com a sua cultura e coloque uma pedra em cima de tudo que eles estão fazendo. Mas não existe só essa alternativa: ou você deixa essas culturas intocadas ou você perverte essas culturas. E aí sim, se você está falando de uma política de Estado, você está falando da necessidade de abrir canais para que o potencial que essas culturas têm (que elas desenvolveram por elas próprias), e que o Estado pode ajudar, que outros setores possam ajudar para que elas continuarem produzindo diferenças. Porque quanto mais diferenças produzir, melhor (e melhor do ponto de vista da cultura como um todo, e não só daquele grupo). É absurdo a gente pensar, por exemplo, que você de certa forma preserva um grupo e que o benefício dessa preservação é do grupo. É claro que ele é do grupo, a preservação de uma cultura tradicional é importante para todos. Até porque ninguém sabe do vai poder precisar no futuro para a construção de futuro. Nós vamos estar com uma diversidade cada vez maior, porque o mundo está ficando cada vez mais complexo.

Oswald de Andrade falava do homem natural como tese, o homem ocidental como antítese e o homem natural tecnizado, como síntese...

Eu não endossaria essa perspectiva justamente porque eu acho que não tem natural de um lado e cultural-artificial do outro. Para mim, de todos os lados têm natural e cultural. Até a Amazônia não é puramente natural, e cada vez mais os arqueólogos estão dizendo que é coisa de índio, é terra produzida. É uma concepção de jardim, na verdade. Você sobe o rio Solimões, vê no barranco do rio que ali é uma passagem; tem um estrato. Abaixo do nível da superfície do barranco, você vê um pedaço do que eles chamam de terra preta de índio, muitas vezes, porque é cheio de caco de cerâmica. Aquilo foi produzido por gerações anteriores de populações indígenas, que estavam ali e que deram um up naquela terra, porque eles sabiam que aquela terra era pobre do ponto de vista só natural. Aquela floresta ali foi produzida. E se você for perguntar para o yanomami o que é terra para ele, a concepção dele de terra vai ser floresta. E nisso cabe: a sociedade dos homens, a sociedade dos animais todos, a sociedade dos espíritos e cabe tudo aquilo que a gente chama de mundo físico e que para eles não é só físico. Portanto, aquilo é cultural também, não é natural. Não há um homem natural, um indígena que seria o homem natural, em contraposição a nós, que seríamos um homem cultural. E depois se tentaria fazer uma síntese, somando o natural com o cultural, mas que eles façam em termos opostos. Não. Tem natural cultural lá, tem natural cultural aqui e onde existe o humano existe natural-cultural. Inclusive no digital.


in Cultura Digital.br – Rodrigo Savazoni e Sergio Cohn (org.); Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.