
Game é cultura
Will Wright poderia dispensar apresentações. Mas fui procurar, em cadernos culturais de jornais brasileiros, algum artigo sobre sua obra e só encontrei superficialidades. Então, correndo risco do óbvio: Wright é um dos mais importantes, criativos e influentes artistas da virada do século XX para o XXI. Mesmo quem nunca ouviu seu nome deve ter tido contato com seus trabalhos como "The Sims", a série de jogos de mais sucesso, com mais de cem milhões de exemplares vendidos. Ele já foi chamado de "Spielberg dos games", mas não seria inapropriado apelidá-lo também de Godard, pois suas criações revolucionaram várias vezes seu campo artístico. Um dos programas de maior audiência da rede norte-americana NPR (National Public Radio) é o "Morning edition", que apresenta o quadro Open Mic, onde um convidado especial escolhe outro que deseja entrevistar.
Game é cultura: você concorda com Hermano Vianna?
No ano passado, Wright entrevistou o biólogo E.0. Wilson, professor emérito de Harvard, prêmio Pulitzer, por sua vez um dos mais influentes cientistas norte-americanos. Era um encontro de pesos-pesados de dois mundos que não costumam ter conversas públicas.
No início da entrevista (disponível em
"Vou ter uma posição ainda mais radical. Eu penso que os games são o futuro da educação."
Porém, Wilson virou o jogo, logo demonstrando que seu interesse era falar sobre games. Meio espantado, transformado de admirador em mestre, Wright perguntou se o grande professor via algum papel para os games na educação. A resposta de Wilson foi fulminante: "Vou ter uma posição ainda mais radical. Eu penso que os games são o futuro da educação."
São palavras que deveriam ser lidas com atenção por pedagogos, pais, adolescentes, jornalistas, políticos - até para serem contestadas sem o simplista ataque antigames dominante. Vivemos um tempo em que deputados ou juízes, com base num achismo barato, produzem leis e jurisprudências que adorariam nos impor um mundo sem jogos eletrônicos.
Além disso, a maioria dos jornais praticamente ignora a centralidade evidente dos games em nossa vida cultural. Um festival de cinema, mesmo decadente, recebe páginas e páginas de cobertura, mas eventos de games como o E3 ficam isolados no caderno de informática, como se fossem de interesse especializado, tecnologia sem arte. Um lançamento de game também nunca merece a mesma atenção que o de um disco, filme ou livro. E seus criadores são invisíveis ao lado de escritores, atores, artistas plásticos, mesmo quando suas criações são muito mais bem-sucedidas, tanto comercial quanto artisticamente.
Há sinais de que a situação começa a mudar. A lista das cem pessoas mais influentes do mundo da revista "Time" em 2009 (a mesma que este ano elegeu o presidente Lula) incluiu os irmãos Sam e Dan Houser, autores de "Grand theft auto". O feito merece ser citado, pois "GTA" é a série de games mais polêmica, geradora de pânicos morais. São aqueles jogos nos quais as crianças adoram atropelar velhinhas nas calçadas enquanto andam irresponsavelmente a toda velocidade pelas ruas de Los Angeles, ouvindo gangsta rap. Obra de arte?
Deixando o humor de lado, de uma coisa eu tenho certeza: chegou a hora de levar os jogos eletrônicos a sério
Matt Selman, roteirista e também produtor-executivo dos "Simpsons", justificou a escolha com a seguinte declaração: "Foi um filme ou livro ou disco proeminente que definiu como nós olhamos para a Los Angeles da era das gangues? Não, foi um videogame que usa filmes, música e escrita com grande efeito. [...] Os Housers estão fazendo o trabalho de Tom Wolfe, criando tapeçarias dos tempos modernos tão detalhadas quanto aquelas de Balzac e Dickens. Pelo menos eu penso que isso é verdade. Em vez de ler esses caras, estou em 'Liberty City' (um dos games da série 'GTA') roubando tanques." Engraçadinho? A graça aqui é apenas recurso para a comparação entre Sam e Dan Houser com Balzac e Dickens ser mais palatável para leitores conservadores, crentes que um livro clássico vai ser sempre superior a um game.
Deixando o humor de lado, de uma coisa eu tenho certeza: chegou a hora de levar os jogos eletrônicos a sério. Alguns criadores de games não são só grandes artistas, mas também grandes pensadores, que têm acesso privilegiado à complexa sensibilidade contemporânea, como pouca gente tem. Quem duvida pode ouvir a conversa de Will Wright com Brian Eno (autor da música de "Spore", entre outras atividades que também o qualificam como um dos principais pensadores da atualidade), em encontro promovido pela The Long Now Foundation (vídeos e transcrições em