terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Sobre a Outra Nova Cidade e a invenção da festa pelo carnaval; ou. Você já ouviu falar em Belo Horizonte?

leia no overmundo.


foto - Flávia Mafra

Sou um compositor de canções. Algo, em si, extraordinário.

Moro no Rio de Janeiro há quatro anos. Mas nasci no interior de Minas Gerais, no seu norte, Diamantina, e vivi minha adolescência, por oito anos, em Belo Horizonte. Assisto (e, por vezes, participo) à movimentação político-cultural de jovens antenados e politizados (iconoclastas, desvairados) na capital com encanto e afeição. Sinto-me, com extrema naturalidade, parte daquilo tudo. Apesar de, também naturalmente, perceber os limites impostos pela distância para uma dedicação e uma atuação mais clara, ou mais voluntariosa, significativa.

Sou um compositor de canções.

Por morar no Rio e sentir a inclinação do Brasil para o congelamento das suas velhas estruturas hierárquicas, cujas demandas são a de imposição de um centro (polar) cultural no eixo RJ-SP, mas enxergar naquelas uma viva rachadura descentralizadora, fruto dos processos políticos vividos nos últimos 16 anos, mais intensamente nos últimos 8 anos, lanço-me à tarefa de contar, ainda que de forma dispersa, um pouco sobre o significado e a importância, o tamanho da importância do que hoje acontece naquela cidade. Lanço-me em 2011 para um mapeamento, uma espécie de cartografia daquilo que está acontecendo, mas (por algum motivo) não é visto.

A Outra Cidade




Há três anos, fui convidado por uma publicação carioca para falar rapidamente sobre a cena musical mineira. Quando comecei a escrever, vi o quanto era necessário me alongar sobre o que sinto ser o ponto inicial desse modelo de produção de cultura e pensamento que se projetou nos últimos anos em BH: o disco (manifesto) de 2003, A Outra Cidade.

Encabeçado por três cancionistas (Kristoff Silva, Makely Ka e Pablo Castro) e com a participação de mais de quarenta músicos da região, o disco pretendia, através do encontro provocado na cidade pela incidência de uma fértil geração de novos artistas interessados numa produção contemporânea de arte e cultura, confluir num projeto fonográfico, mais que um –relevante- conteúdo cancional, mas um gesto que agregasse as necessidades relativas ao escoamento do grande volume de canções produzidas solo e conjuntamente a uma postura político-cultural fruto do desejo de construção de uma nova cidade.

Para mim, obviamente, para além das questões estéticas e musicais que tanto admiro e reconheço, o que mais me interessa neste processo é o formato de relacionamento que conjuga a cidade e a arte. E, neste caso, a cidade tem algumas funções particulares muito significativas.

Uma primeira é a idéia de cidade como o lugar físico e geográfico do encontro e o encontro como vetor da reinvenção deste lugar. Ou seja, a possibilidade de modificação das estruturas incrustadas na pele da cidade passa pela forma como esta proporciona encontros e como estes, num determinado tempo e num jogo específico das características das pessoas que ali se encontram, delineiam e conduzem a cidade a um novo ambiente, a uma nova idéia de si mesma. A cidade espera ser resignificada, desejante de ocupações e funcionalizações. Isto gera uma segunda questão que é tornar a cidade, ocupada, num palco para a execução e comunicação das obras criadas ali. A cidade como platéia, reconhecedora da sua produção. E, por fim, a cidade como desejo idílico, afetivo; a casa.

É notório perceber que estes ajuntamentos, por um lado, são frutos das necessidades críticas às quais a arte esteve (ainda está!) renegada, com falta de suporte e apoio, mas por outro, resultado das vicissitudes de uma geração ávida por produzir, dialogar, ouvir, criar.

E aqui, o aspecto que mais me chama a atenção. A idéia de que uma cidade, dentro das perspectivas dos encontros, pode gerar um coletivo de artistas interessados no diálogo como plataforma estética. A cidade como paradigma estético.



A Outra Nova Cidade


foto - Flávia Mafra

De lá pra cá, quase dez anos, muita coisa aconteceu. A cidade mudou, novos artistas apareceram, políticas culturais se configuraram no país, novas dimensões e possibilidades de comunicação tornaram-se viáveis através dos novos dispositivos das mídias virtuais.

A cena se reconheceu.

E é necessário dizer que este reconhecimento acontece num movimento muito interessante, cujos dispositivos são gerados numa lógica “de baixo para cima”; sem apoio da mídia formal, com grande descaso das instituições políticas, mas com renovada força geracional: grupos de teatro, cineastas, artistas plásticos, músicos, compositores populares e eruditos, produtores culturais, escritores, comunicadores, agentes culturais, enfim, uma gama complexa de jovens interessados em levar às últimas conseqüências a ocupação da cidade, entendendo-a como espaço público do cidadão e espaço óbvio para o diálogo e a formação cultural.

Novamente, o lugar da arte se dá na possibilidade do encontro na cidade. Os jovens artistas, os jovens criadores, os jovens jovens, hoje entre 20 e 30 anos, cresceram num modelo de cidade onde era compatível e natural assistir a um concerto de música erudita contemporânea, dali seguir para um tambor de crioula, em seguida ouvir uma jam de jazzistas e por fim, sair pra dançar rock numa boate. Tudo muito compatível e espontâneo. E esta espontaneidade como resultado de um inconveniente; a cultura apóia-se em estruturas mambembes para se estabelecer. Estabelecer-se como instancia sócio-política e como cultura de fato, este movimento humano na conversa com o tempo.
Para além da forma natural como esta nova geração no mundo contemporâneo se relaciona com diferentes ações, atitudes, manifestações, em BH faz-se necessário aliar-se ao oposto. O percurso só é possível na diferença. E a diferença é o lugar da estética. Novamente, a cidade como motor dos encontros, e os encontros com a diferença promovendo renovações estéticas e liberdade criativa.

A manifestação mais direta e funcional, e por isso mesmo, absurda, democrática, um lúdico enfrentamento contra as ações caducas da política pública mineira na área cultural acontece hoje em BH através do movimento, ou melhor, do ajuntamento-criativo Praia da Estação.



A Praia da Estação é um revide político (e densamente artístico) fomentado e alimentado nas redes sociais, desta geração contra uma ação da Prefeitura da cidade que dificulta, ou melhor, impede a gestação de espetáculos culturais na Praça da Estação (praça central da cidade, com largo histórico de espetáculos populares e encontro das diferentes faixas econômicas da sociedade belo-horizontina). A Praia baseia-se numa pilhéria mineira de inventar no duro cimento do centro da cidade uma praia; as pessoas vestem-se a caráter, levam seus instrumentos e fazem um pequeno carnaval com caminhão-pipa, música e diversão de verão. Enfim, um happening, no seu sentido mais vanguardista e modernista.

O próximo passo, ainda que disperso, é a invenção do Carnaval em BH. A cidade construiu (ou talvez, desconstruiu) ao longo dos anos uma descarnavalização. A festa na cidade tornou-se sinônimo de tranqüilidade e descanso, o contrario do que se vê nas pequenas cidades barrocas interioranas e universitárias. Impelidos pela força da Praia estes jovens desejam criar uma nova tradição na cidade; blocos com marchinhas autorais, ajuntamento de diferentes grupos, jovens comemorando o carnaval... Enfim, deseja-se inventar uma festa para Belo Horizonte.



Acompanho daqui toda essa movimentação com muito encanto. As revelações são muitas sobre a forma de compreensão destas pessoas sobre a tradição, a cidade, a arte, o diálogo, o tempo... É tudo muito grande e envolvente. Saber que amigos têm este olhar sobre o mundo faz confirmar minha inspiração de que caminhamos para o lado certo da vida; de que somos sim um país muito bonito por que somos nós este país. Levo a discussão, assim repentinamente, para um âmbito maior, nacional porque vejo daí, desta micro-movimentação-poética de verão um gesto que faz a maquina andar. Prevejo daí um grande carnaval.

Fé na festa!

8 comentários:

  1. legal demais, tchugueder, bela leitura! carnavalizemos... abraço!

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  2. Cesinha... Que bom você de longe, tão próximo!
    Legal ler o que seu olhar interpreta. Sigo acompanhando suas publicações!

    Beijos!

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  3. Lauriiiiiiiiiiiiiiinha!!
    Uma saudade danana!!! Mas ainda bem que vc tá aí. Essa cidade é linda!!!
    =)

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  4. César,

    muito bacana o texto. Viva tudo isso que tá rolando e fé na festa!

    Abraço,

    Tomás Pimenta

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  5. Genial!!! A propósito: Vc irá passar seu carnaval aonde?

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  6. Cesinha, estou precisando conhecer BH. Até já marquei com a helö, mas náo consegui ainda.
    sucesso para o teu carnaval mineiro. Aqui em Ouro Preto , os grupos já se preparam.
    bjs
    Maria

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