Para entender o que está acontecendo na música feita no mundo em 2008, é necessário despir-se de um intrincado jogo de sensos e conceitos de produção, veiculação, composição e entendimento de música. Aquilo que entendíamos como barreiras artísticas, profundamente demarcadas e intransponíveis, se formaram, em nível ideológico, numa esfera virtual e, devido a isto, não mais se definem por limites e obstáculos, mas por quanto são passíveis de invasão.
Em Minas Gerais, a geração que vem surgindo é reflexo dos questionamentos formados por nosso jeito de agir, pensar e produzir cultura. Uma geração que prevê legitimar-se, recriando e buscando ânimo nas incursões aos universos alheios. Diferentemente de cariocas e paulistas, o mineiro entende a produção de cultura, de uma maneira bastante peculiar.
O Rio de Janeiro está atrás de restaurar a tradição e impor certos valores a ela, em busca de revitalizar uma cultura que nunca morreu, seja esta o samba ou o seu sempre estranho rock praiano. Neste sentido, prefiro mesmo o funk ou os transambas do Caetano, despreocupadamente interessados na real tradição carioca.
Em São Paulo, a excelência em reproduzir modelos, cansa. Mas acredito haver em Ricardo Teté, Danilo Moraes, Céu, Curumin, Grupo Grão, Eloá Gonçalves e, indo mais além, nos CJ’s paulistas, uma produção bem rica e, sobretudo, relevante no cenário artístico.
Desde Ary Barroso até o Clube da Esquina, Minas Gerais adotou o rigor como medida estética de produção musical. Seja formando grandes instrumentistas e compositores, seja produzindo Sepultura, Fernanda Takai ou Uakti, esta sempre foi a sua maneira de pensar, criar e fruir arte. No entanto, para perceber a identidade da nova geração, é necessário relembrar algumas épocas.
A capital mineira, Belo Horizonte, sempre foi palco para a união de vertentes e pessoas muitos distintas, que, por algum motivo, sempre conviveram entre si. Nos anos 80 e 90, a produção de rock em BH, fortemente estimulada pela Cogumelo Records, ultrapassou o território brasileiro e virou influência até na gringa (vide Sepultura). Juntos, músicos de jazz e MPB apresentavam o seu repertório e tentavam renascer o Clube da Esquina. Em uma direção oposta, mas num mesmo âmbito, o boom de bandas POP invadiu Minas e, em seguida, a mídia (Skank, Pato Fu etc.).
Mais para o final dos anos 90, impulsionados pelo disco-manifesto do Milton Nascimento, “Tambores de Minas”, vieram agregar-se à salada musical os tambores de Maurício Tizumba, Tambolelê e Cia. Engrossando o caldo, havia ainda os representantes do cenário de música erudita contemporânea, que travavam uma luta antiga por espaço em BH.
É mais ou menos neste caldeirão que nasce uma produção muita intensa, de música calcada, sobretudo, na necessidade de produzir algo de qualidade. E é também deste mesmo caldeirão que nasce a necessidade de negar, inverter os processos e recriar uma nova outra cidade.
Alguns nomes importantes deste grupo mineiro são: Quebra-Pedra, Rafael Macedo, Constantina, Felipe José, Kristoff Silva, Makely Ka, Pablo Castro e a Banda dos Descontentes, Antonio Loureiro, Juliana Perdigão, Graveola e o Lixo Polifônico, The Dead Lover’s Twisted Heart, Transmissor, Pequeno Céu, Grupo Ramo, Misturada Orquestra e Madeirame (todos presentes no Myspace).
A grande característica desta nova geração é conceber uma produção realmente livre, que extravasa qualquer limite conceitual e, não obstante, apropria-se e usa destes mesmos limites como mote para criação.
Mergulhar na tradição e visitar territórios desconhecidos é tão necessário quanto almejar a novidade. São os novos tempos imersos em nossos estranhos e ocultos sentidos. E são os nossos sentidos ecoando e justificando o prazer de uma nova era.
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